A política brasileira é corriqueiramente comparada a uma salada. Ou, por outra, uma sopa de letrinhas. Não dá para dizer que é uma associação injusta, afinal são os próprios partidos que a temperam acima do ponto, por não possuírem, salvo raríssimas exceções, uma linha programática nítida ou não seguirem as raras existentes.
Nesse cenário, acaba prevalecendo a conveniência política do momento. Aliados de hoje tornam-se adversários ferrenhos de uma hora para outra. E vice-versa.
Não encerra por aí a “dificuldade” dos partidos em terem alguma coerência. Longe disso, os conflitos começam internamente. E não estamos falando aqui do debate político e de ideias na essência, aquele produzido por visões que, mesmo antagônicas, geram diretrizes amparadas em uma filosofia partidária e, mais importante, que são seguidas institucionalmente.
A rotina que enfada aos eleitores é ver as legendas seguirem o interesse da hora (normalmente, mais restrito aos seus dirigentes) e tentarem impor a “pauta” a todos os correligionários. Às vezes, até funciona. Em outras, não, ainda mais quando entram em cena interesses regionais. O que pode servir para um partido no Rio Grande do Norte, pode não servir na vizinha Paraíba. E daí por diante.
Vejamos o caso do Solidariedade, por exemplo. Coligado com o PT nacionalmente, é opositor juramentado dos petistas no RN. O mesmo PT que abriu lugar na chapa de Lula para o PSB e, aqui no Estado, não quis conversa com o projeto de Rafael Motta para se candidatar ao Senado. No âmbito local, a opção do PT foi pela aliança com o ex-prefeito de Natal Carlos Eduardo, líder regional do PDT, sigla, que, por sua vez, tem seu presidenciável Ciro Gomes como adversário dos petistas no plano nacional.
Um pé em cada canoa
Os exemplos de divisões nos posicionamentos continuam. Um dos mais mais evidentes é o do PSDB que, sem corar, rachou deliberadamente e com posição homologada em convenção entre os palanques de Fátima Bezerra (PT) e de Fábio Dantas (SDD). Um racha cuja simbologia vai além da subida no muro que marca os tucanos ao longo de sua história. A imagem de ter um pé em cada canoa simboliza melhor a opção dos tucanos potiguares.
Também é um clássico representante da categoria o MDB, novamente inclinado à dispersão em suas causas eleitorais. Está em 2022 dividido na corrida presidencial entre a proposta da candidatura própria da senadora Simone Tebet (MS) e a aliança com Lula — no RN, os emedebistas optaram pelo candidato petista, conforme estabeleceram Walter Alves e o ex-senador Garibaldi Filho.
O PP veio encorpar ainda mais esse clube, depois que a direção nacional empurrou goela abaixo dos progressistas potiguares a decisão de se coligar com o Solidariedade para dar o tempo da sigla no horário eleitoral de rádio e TV às candidaturas de Fábio Dantas para o governo e de Rogério Marinho (PL) para o Senado. O PP local não teve outra saída, a não ser se submeter à imposição dos líderes nacionais. Não sem fazer cara feia e sinalizar de cara que cruzará os braços no pleito majoritário estadual, liberando seus membros a votar em quem queiram para governador e senador.
Babel eleitoral
Todos são casos que servem para ilustrar a Babel em que os partidos transformaram o quadro eleitoral brasileiro, com tinturas próprias em cada Estado. Nenhuma novidade, repita-se, pois isto já acontece há muito tempo. O processo apenas fica mais descarado de um pleito para outro, refinando o festival de saladas que já se provaram indigestas, ao menos para a imensa maioria da população.
Os partidos terminam, ao fim e ao cabo, por contrariar a máxima chapliniana de que a vida é um fato local. Do Distrito Federal ao Rio Grande do Norte, passando indistintamente por todos os outros Estados, o que vale para as legendas é a lei não escrita do “ninguém é de ninguém” guiada pelas conveniências da hora.
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