Com o diagnóstico da Síndrome do Encarceramento, paciente se comunicava apenas com os pés a partir de um dispositivo inédito desenvolvido por pesquisadores locais
“Estou vivo. Sou um milagre”. É com essas palavras que o potiguar Renato Carvalho, de 39 anos, comemora os avanços no tratamento da Síndrome de Guillain-Barré com envolvimento bulbar, que simulou a Síndrome do Encarceramento (Locked-in Syndrome – LIS), a mesma retratada no filme ‘O Escafandro e a Borboleta’. “A vida me deu uma segunda chance e eu estou aqui hoje com minha família para contar história”, emociona-se.
Sem doenças preexistentes, Renato começou a apresentar sintomas de gripe em julho de 2022 sem imaginar que seria acometido, pouco tempo depois, por uma síndrome rara que lhe causaria paralisia motora generalizada, lhe poupando apenas os movimentos dos pés.
O paciente ainda foi acometido por uma perda geral de movimentos na região ocular com ptose palpebral bilateral – que é quando os olhos não se movem, a pálpebra do indivíduo cai e ele não consegue abrir os olhos.
Devido à paralisia generalizada, os movimentos respiratórios foram comprometidos com o paciente passando a respirar com a ajuda de aparelhos e se alimentar por meio de sonda em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital privado, em Natal.
Suporte da ciência
Diante deste cenário e após ser acionado pelo médico intensivista Miguel Sicolo, que atua na UTI onde o paciente estava internado, o médico oftalmologista e pesquisador Francisco Irochima Pinheiro, professor do Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia da Universidade Potiguar (PPGB/UnP), criou, com o apoio de uma equipe multidisciplinar, um dispositivo chamado “Podovox” (podo = pé; vox = voz).
Como o nome sugere, o aparelho permite a comunicação do paciente por meio dos movimentos voluntários dos pés. A ideia da ferramenta surgiu como um insight noturno enquanto o docente dormia e sonhou com o guitarrista Mark Knopfler, da banda Dire Straits, tocando a pedaleira da sua guitarra com o pé.
“Consciente, com sensibilidade, visão e audição preservadas, era urgente que o paciente pudesse se comunicar. Foi aí que o Podovox se mostrou um importante instrumento que proporciona um novo canal de comunicação”, explica Irochima.
Neste cenário grave e sem nenhum aparelho disponível no mercado que atendesse as necessidades do paciente, o equipamento passou a permitir a comunicação entre ele, sua família e a equipe de cuidados. Outro diferencial foi a atuação de Renato na área da Tecnologia da Informação, que o ajudou a compreender os comandos da ferramenta de forma mais rápida. “Posso dizer que tudo isso nos deu um alívio imenso”, pontua a esposa e principal rede de apoio de Renato, Geane Carvalho.
Entenda o funcionamento do aparelho
O paciente teve dois pedais acoplados aos seus pés, com os quais é possível acionar teclas que correspondem, cada uma, a dois grupos de números. No pedal esquerdo, a tecla contém os números 1 e 10. Já no direito, a tecla permite acionar os números 100 e 1000.
"Baseando-se por uma tabela com várias combinações, cujo comando 1100 gera o som da frase ‘estou com dor' emitida por uma voz humana por meio de mini alto-falantes, o paciente teve condições de passar a se comunicar. Seguindo este mesmo princípio, foi possível que outras sentenças fossem formadas por ele, facilitando a expressão de sentimentos, vontades e emoções.", detalha o professor Irochima.
O Podovox levou 30 dias para ficar pronto e foi confeccionado em parceria com a equipe da empresa Natal Makers, sob a coordenação de Marcos Cruz. “O que se iniciou como um desafio técnico-científico ao longo do processo, tornou-se uma questão humanitária para toda a equipe. É um dispositivo inédito e que pode ajudar outras pessoas no futuro”, reflete o cientista.
Atualmente, Renato encontra-se em recuperação em casa e já não faz mais uso do Podovox. “Por conta da doença, perdi muitos quilos e agora preciso iniciar o processo de hipertrofia muscular com o suporte de nutricionista e educação física, além da parte da fala com a ajuda da fonoaudiologia. Com algumas sessões de fisioterapia, estou até caminhando e já mexo melhor os braços, as mãos, os dedos. Se tem uma coisa que eu posso dizer é que sou um milagre”, pontua Renato.
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