Neste domingo (3), mais de 3 milhões de estudantes realizaram a primeira prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2024 e foram desafiados a escrever sobre o tema “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”. A proposta de redação buscou incentivar reflexões sobre a influência da cultura afro-brasileira na formação social, histórica e cultural do país, abordando aspectos como identidade cultural, religião e combate ao racismo.
A escolha do tema foi recebida com entusiasmo pela Casa Escola, uma instituição de ensino de Natal que, ao longo de 2024, já vinha promovendo o projeto “Ubuntu – Eu Sou Porque Tu És”, inspirado na filosofia africana que valoriza a interconexão e a colaboração entre as pessoas. Segundo a diretora Priscila Griner, o conceito de Ubuntu está inserido nos projetos pedagógicos da escola desde a Educação Infantil até o Ensino Fundamental 2, abordando temas como ancestralidade e identidade.
“Essa temática está conectada à nossa proposta pedagógica e tem gerado projetos que resgatam saberes ancestrais e fomentam reflexões sobre o mundo atual. Em nossas atividades, enfatizamos o respeito, a empatia, a responsabilidade compartilhada e a compreensão histórica na construção de uma sociedade mais justa, com propostas sempre adaptadas à faixa etária e ao repertório de cada turma,” explica a diretora.
Durante a prova do Enem, os estudantes tiveram a possibilidade de utilizar referências diversas em suas redações, incluindo obras literárias como “O Navio Negreiro”, de Castro Alves, e “Quarto de Despejo”, de Maria Carolina de Jesus. Outras fontes citáveis incluíam músicas, notícias recentes, estudos e leis, como as Leis nº 10.639/03 e 11.645/08, que tornam obrigatória a inclusão da história e cultura afro-brasileira e indígena nos currículos escolares.
Para Priscila Griner, a abordagem do Enem não surpreendeu as escolas que se preocupam em aplicar a legislação e, principalmente, em reconhecer o papel transformador da educação. “Acredito que o tema da redação do Enem não surpreendeu escolas que cumprem a lei, e mais do que isso: que compreendem o seu real papel. Porque sabemos que estar de acordo com a legislação vigente não é suficiente. Por isso, temos empenhado um esforço ativo e sistemático no sentido de repensar posturas e trazer para dentro do nosso currículo práticas que promovam a consciência racial”, afirma.
A Casa Escola também inovou ao introduzir a Capoeira no currículo para alunos de 4 a 6 anos, trazendo um representante quilombola para ensinar a prática. A diretora reforça que o objetivo é que esses temas façam parte do cotidiano escolar e não sejam abordados apenas durante a preparação para o Enem. “Na Casa Escola, preparamos nossos estudantes desde cedo para reconhecer as contribuições de povos racializados e desafiar o racismo estrutural em suas diversas expressões,” complementa.
Apesar da legislação, ainda há desafios para efetivar o ensino de relações étnico-raciais nas escolas do país. De acordo com um levantamento da entidade Todos Pela Educação, em 2021, apenas metade das escolas brasileiras mantinha projetos sobre o tema. Além disso, uma pesquisa do Ipec revelou que 38% das vítimas de racismo no Brasil sofreram discriminação em instituições de ensino, seguido por 29% no ambiente de trabalho e 28% em espaços públicos.
Para a professora de História da Casa Escola, Sabrina Pereira, desconstruir estereótipos e valorizar a diversidade são fundamentais para promover uma educação baseada na equidade e no respeito à dignidade de todos. “Dessa forma, conseguimos reeducar, identificar e reconhecer atitudes racistas que permeiam nossa sociedade,” ressalta a professora. Ela defende que o letramento racial deve ser uma prática contínua, e não esporádica.
“Precisamos incluir em nossa rotina referências positivas das culturas afrodescendentes e indígenas, indo além das narrativas de sofrimento e opressão. Além disso, é fundamental reconhecer a ‘branquitude’ e os privilégios associados a ela como parte da educação antirracista. Essa prática deve preparar os alunos para serem agentes antirracistas em suas vidas cotidianas,” conclui Sabrina.
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